Enquanto os posts sobre a viagem para a
Tailândia não ficam prontos (sim, serão mais de dois) vou contar a
experiência surreal que passei no último final de semana
(04/02/2012).
Existe as seguintes opções para
comprar carne aqui no Timor Leste: supermercados (carnes australianas
e neozelandesas) e feiras que são as carnes de vacas/bois/karaus
abatidas por aqui. E lógico que este último é mais barato. Ah e
esqueça a picanha, o contra-filé, alcatra, cupim (DESESPERO) etc.
Elas até existem, mas está no meio de algum outro pedaço dos
cortes australianos. Mas até que se consegue carnes boas por um
preço salgado. Ex: dois bifes grossos por $6. E agora que estou
almoçando em casa não dá pra comer carne a vontade. A não ser
frango. Tenho comprado 4 coxas de frango por $1.4.
Então, no meio da semana passada o
Junior Sem Acento manda um e-mail para mim e para o Carlos com um pdf
em anexo com os desenhos dos cortes australianos e dos brasileiros
juntos. PQP. Vamos comprar carne (lá no matadouro) de boi e com o
corte pelo menos parecido com o que somos acostumados já que temos o
pdf e vamos pedir para cortar do jeito que queremos. FESTA.
CHURRASCO. Aham, senta lá Cláudia.
É, primeiro temos que acordar as 3:40
da madrugada de sábado. Isso depois de tomar cerveja até 1:30 da
madrugada. Nos encontramos todos na casa do Carlos e vamos. Chegamos
por volta das 4:30. Estrutura? Pra que? É tipo um galpão pequeno,
construído com cimento, mas esse já não existia, só sobrava os
ferrolhos das pilastras e as escoras de madeira. Olhava para aquilo e
esperava que caísse a qualquer momento.
Assim que nos aproximamos um fedor. Mas
pensa num fedor de chiqueiro com carniça? Pois é. Como aqui não
tem rede de esgoto e este ou é a céu aberto nas valas ou é fossa
séptica, e o matadouro não tem estrutura, o sangue é jogado na
vala. Os restos devem ser jogados ali por perto mesmo, já que
cachorros e porcos também ficam rondando.
Perguntamos ao mao (rapaz em
tétum) que horas vai começar o abate. Ele diz que daqui uns 30
minutos. E volta a lavar o chão com uma bacia e com a água de um
tonel. Ah sim, já falei que aqui também não tem água encanada né
:(. O chão que ele lava é um pequeno quadrado de cimento queimado
de 3x3 metros aproximadamente. Ao lado, onde estão os karaus e os
bois, é de chão batido. E estes ficam ali amarrados e comendo capim
e vendo tudo.
Os minutos passam e começam a chegar
mais homens, cada um com sua faca. Aí um papo de você é
brasileiro. Ronaldo pra cá. Kaka pra lá. E assim caminha a
humanidade. Depois de chegar uns 4 eles começam os trabalhos. Um
deles deita no monte de capim e os outros amarram e puxam um karau
novo magro (tipo um bezerro quase boi) para a área do cimento.
Amarram o focinho dele no chão, uma pata traseira numa das
pilastras(?) e outro fica segurando uma pata dianteira com uma corda.
Isso tudo para ele não se mexer.
Eu lá esperando eles aparecerem com um
machado ou uma espingarda (que é o jeito que já vi matar boi). Que
nada. Uma faca normal (só que muito afiada) na garganta do bicho e
pronto. Morre degolado e esgotado. Esse foi o primeiro. Filmei.
Depois do susto. Vou fumar um cigarro.
Juntando a cena com o mau cheiro meu estômago embrulha. Uma
respirada mais funda e estou pronto pra outra. Arrastam o karau já
morto (de vez em quando ainda dava uma tremida ou uma esticada) para
um canto. Jogam mais um pouco de água pra tirar o sangue e já
trazem o segundo. A cena se repete. Este eu não filmo.
Aí partem para o terceiro, que depois
descobrimos ser terceira. Consigo filmar. Tudo bem que foi a câmera
do iphone e ela, a noite, é a mesma coisa que nada né.
Começam a abrir para descarnar.
Primeira providência é arrancar as patas e depois os testículos e
pênis dos machos. A gente ali olhando. Todo mundo trabalhando. Chega
um casal e um senhor para comprar carne também.
Vão cortando os pedaços de carne (não
obedecendo nenhum tipo de corte específico) e os pedaços tirados
vão sendo jogado ali do lado, no chão mesmo. Arrasta pra cá. Chuta
pra lá (as carnes). Decidimos ir olhar mais de perto pra ver se
conseguimos identificar algo conhecido. Nada. Só pedaços de carne a
esmo.
De repente uma água começa a sair do
bucho da karau. Pensamos: 'vixe, furou a bexiga. Esta carne não vai
prestar'. É, antes fosse isso. Neste momento o mao abre de vez
aquela bolsa grande e sai um feto de karau. Bem formado mas ainda
muito pequeno. Aí meu amigo eu já tinha perdido as esperanças.
Pegamos um pedaço de carne lá que
parecia mais bonito e vamos embora. Passamos na padaria (até agora a
única que sei que funciona de madrugada, já procurei outras e aqui
perto de casa tem uma que abre depois das 8:00 o.O ). Compramos um
pão timorense quentinho. E pensa num pão bom.
Brincamos que íamos ficar uma semana
só na sopa depois de ver a cena e tal. Voltamos cada um pra sua casa
e vamos dormir. Acordo ao meio-dia. Mais a tarde vamos pra casa do
Carlos cortar, limpar e separar a carne (lógico que isso tudo
acompanhado de uma bintang gelada). Enquanto a Giselle e o Junior vão
limpando a carne a gente vai conversando e bebendo. De 15kg comprados
sobraram 10kg depois de limpar.
Fritam um pedaço. A carne tem um gosto
forte e é dura. Cozinham um pedaço. Continua dura. Não sei se pela
cena que presenciei mas não gostei de seu gosto forte. Enfim,
desisto de ficar com a minha parte.
Ah, o kg saiu por $6. Mas acho que não
compensa acordar de madrugada. Se fosse um boi, com uma picanha,
cupim, contra-filé e costela eu iria fácil. Mas o karau é uma
mistura (eu acho) de boi com búfalo, pouquíssima gordura e gosto
forte.
Ah sim, passei o domingo e a segunda
com um diarréia muito forte. Mas não imagino que seja a carne, já
que foi só eu. O mais provável causador dessa diarréia é a
bintang que foi meio exagerada.
E vamos ter fé (na minha memória)
para acabar de escrever os posts sobre a viagem para a Tailândia
(Bangkok e Phuket) e pra Indonésia (Bali).